Cerca de 30 estudantes da Unesp de Franca realizaram na manhã desta quinta-feira, 21, um protesto contra a decisão da juíza Adriana Gatto Martins Bonemer, que julgou improcedente a Ação Civil proposta pelo Ministério Público contra Matheus Gabriel Braia, recém formado em Medicina da Unifran. O MP acionou Matheus após o trote para recepção dos novos estudantes, realizado na Unifran em fevereiro deste ano.
De acordo com as organizadoras do movimento, que aconteceu em frente ao Fórum de Franca, o protesto foi uma necessidade para demonstrar que a sentença dela foi totalmente contrária ao que o feminismo prega. “A sentença dela não prega o que o feminismo é, em sentido de igualdade, de respeito. A gente tem que lutar pelo direito das mulheres. É inviável não haver nenhum tipo de movimentação contra essa sentença”, disse Marcela Pinca.
Os estudantes foram até a frente do Fórum de Franca com cartazes condenando a atitude da juíza e realizando um jogral com um discurso para o esclarecimento dos motivos da sentença ser injusta. “Ficamos surpresos com a decisão da juíza, além de nós, outros grupos também ficaram. Algumas pessoas pensaram que tinha sido brincadeira a forma que ela agiu, as citações contra o feminismo. Nós ficamos muito preocupados com a forma que a juíza, na posição que ela está, que é de representar o povo, defender de forma justa, defendendo os valores humanos e feministas”, afirmou a estudante de serviço social Daniela Bessoni.
DECISÃO
Na ação proposta, o promotor de Justiça Paulo César Corrêa Borges alega que "a conduta praticada pelo requerido ultrapassou os limites toleráveis de uma simples brincadeira, pois reforçou o machismo e colocou a mulher em posição de inferioridade". Além disso, que "o requerido reproduziu ideias que remetem à cultura do estupro, estimulando agressão e violência." E que o ocorrido atinge a todas as mulheres, de forma coletiva.
Na sentença, porém, a juíza seguiu direção diversa. Para ela, "apesar de vulgar e imoral, o discurso do requerido não causou ofensa à alegada coletividade das mulheres." E, continuou: "A inicial retrata bem a panfletagem feminista, recheada de chavões que dominam, além da esfera cultural, as universidades brasileiras. É bom ressaltar que o movimento feminista apenas colaborou para a degradação moral que vivemos, bem exemplificada pelo 'discurso/juramento' que ora se combate."
Na sequência, ela cita a escritora feminista Kate Millet para justificar os argumentos de que a busca pela emancipação pelas mulheres não foi um bom negócio. Afinal, "conquistou, ironicamente, o prodígio de subverter a própria identidade da mulher." E mais: "As mulheres acharam que para ser livres e iguais precisavam fazer as mesmas coisas que os homens. Subiram aos cargos mais elevados, mas também adquiriram os seus vícios mais baixos."
Ela chega a argumentar que a revolução sexual das mulheres é uma "mancha" e que, na luta por direitos e melhores condições sociais, as mulheres terminaram "gritando" por pílulas anticoncepcionais e abortivas e pela "aceitação pública da degradação de seus corpos e almas."
Dentro da sentença - no processo que tinha como objetivo julgar o trote do curso de medicina - a juíza chega a analisar o fim do império romano e até a própria liberdade. Usando como referência o historiador inglês Edward Gibbon, em A História do Declínio da Queda Do Império Romano, "que atribuiu o declínio e fim do Império do Césares, entre outras causas, à obsessão pelo sexo e à excentricidade nas artes", a magistrada Adriana Bonemer alega que "muitas culturas se desintegraram pela degradação moral, como está acontecendo conosco".
Ela segue citando outros escritores e conclui: "A verdadeira identidade do movimento feminista, portanto, é de engenharia social e subversão cultural e não de reconhecimento dos direitos civis femininos. Estamos vivendo a degradação moral e a subversão das identidades, de onde advém comportamentos como aquele descrito na inicial. Diante dos usos e costumes instalados na sociedade, promovidos pelo próprio movimento feminista, entender ofensivo o discurso do requerido é, no mínimo, hipocrisia."
O TROTE
O trote realizado na Unifran deste ano rendeu repercussão nacional. Tudo começou nos primeiros dias de aula. Em algum momento do trote de recepção, as alunas do curso de medicina ficaram ajoelhadas, diante de alguns veteranos, para fazer um "juramento". Mesmo que entre risos e brincadeiras, o problema é que no texto do juramento havia trechos como "me reservo totalmente a vontade dos meus veteranos e prometo sempre atender aos seus desejos sexuais." Muitos trechos do trote foram filmados e as imagens geraram revolta.
O Diretório Acadêmico “28 de Março”, da Faculdade de Direito de Franca, a Odonto Franca, o Conselho Municipal da Condição Feminina de Franca, a Associação Atlética Acadêmica de Arquitetura e Urbanismo, a Atlética de Engenharias da Unifran, a Atlética Med do Uni-Facef e até a própria Unifran se pronunciaram com notas de repúdio ao ocorrido.
Em nota oficial publicada no Instagram, a Atlética Med Franca, do próprio curso de Medicina da Unifran, disse: "Reconhecemos o cunho ofensivo do discurso feito, o qual não possui autoria das entidades estudantis. (...) Pedimos desculpas a todos que se sentiram ofendidos, em especial a odonto Unifran e Facef pelos comentários infelizes citados nesta tarde”.